Viajar me faz pensar na morte.
Pode parecer esquisito vindo de alguém que ama viajar, mas é isso mesmo. Viajar me faz pensar na morte e não é por medo do avião cair ou de bater o carro na estrada. Não é por medo de me perder pra sempre num lugar desconhecido ou de qualquer coisa maluca que pode acontecer com quem eu amo quando eu tô longe. Viajar me faz pensar na morte, mas não é por medo. É por consciência do fim.
Você vai ler um grandissíssimo clichê agora, mas viver é uma viagem. É sim. É a maior viagem de todas, por mais brega que isso soe. E se tem uma coisa que faz qualquer viagem valer a pena é o fato dela ter data pra acabar.
Aqueles numerinhos escritos no seu cartão de embarque, indicando o dia e a hora do fim da brincadeira fazem você acordar todos os dias de uma viagem com um pique que normalmente você não tem. Durante uma viagem, você pensa muito claramente nas coisas que quer fazer, nos lugares que quer conhecer, nos pratos que faz questão de provar. Você faz planos e sai porta a fora pra cumpri-los. Mesmo que dê tudo errado, no outro dia você levanta e tenta de novo.
Viajante anda de baixo de sol escaldante, encara vento cortante, nevasca e o que for. E, se você mora longe da praia, sabe muito bem que chuva não é empecilho pra quem quer botar o pé na areia. Pra quem quer ver o mar, chuva é psicológico.
Tem coisas que você só topa numa viagem, justamente porque sabe que, daqui a pouco, acabou. Você entende com muita clareza que é preciso aproveitar tudo e mais um pouco, porque pode ser que você nunca mais volte. E se voltar, não vai ser do mesmo jeito, talvez não com as mesmas companhias, nem vai ser o mesmo você.
Durante uma viagem, a gente fica muito mais presente. É só andar sem rumo pelas ruas de uma cidade diferente, de um país distante e você vai notar tudo com muito mais atenção. A arquitetura, o jeito das pessoas, os cheiros, as comidas, até as plantas e os passarinhos são diferentes dos que tem em casa. Ou talvez nem tanto.
A gente repara em tudo e com tudo a gente se encanta porque, numa viagem, cada primeiro encontro já é uma despedida. Em casa deveria ser assim também. Porque a gente pode viver pra lá de 100 anos ou morrer daqui a meio segundo. Ninguém sabe. Pra se proteger dessa finitude esquisita, a gente não para de verdade pra pensar que a viagem um dia acaba. E aí vai vivendo e adiando as vontades, mergulhando tempo demais no tédio e na preguiça, no excesso de trabalho, deixando um monte de coisa pra outro dia, porque afinal, tem bastante tempo pela frente. Será que tem? Ninguém sabe.
Por isso, o segredo é viver viajando. Eu sei, eu sei… são poucos os sortudos que podem fazer as malas e sumir no mundo sempre que der na telha. E se você também não é um deles, tudo isso que eu disse até agora pode provocar uma baita agonia, do tipo que dá quando a gente percebe que o tempo tá passando e a gente tá parado no mesmo lugar. Mas isso não vai acontecer se você mudar o jeito de olhar em volta e virar viajante onde quer que você esteja.
“The real voyage of discovery consists not in seeking new landscapes, but in having new eyes.”
Marcel Proust
Encontre lugares que você nunca tinha notado antes, tenha curiosidade até sobre o que parece meio banal, descubra o que tem de legal acontecendo e quando não tiver nada, faça coisas acontecerem. E mais importante: pense nas pessoas a sua volta como hóspedes do mesmo hotel que você. Se elas forem incríveis, vá lá e diga isso pra elas. Se forem insuportáveis, não se estresse além da conta porque não é pra sempre. Cedo ou tarde, todo mundo faz check out e vai embora. Inclusive eu e você.
Há algum tempo, na minha viagem a Pamukkale, conheci um senhor americano que nunca tinha saído dos Estados Unidos até descobrir que sofria de uma doença terminal. Ele me contou que decidiu usar o que lhe restava autonomia e gastar as economias de uma vida inteira viajando pelo mundo pra conhecer lugares sagrados e entender o que as pessoas diferentes dele pensavam sobre Deus. Foi uma das conversas mais marcantes que eu tive na vida. Nunca vou me esquecer de quando ele disse que perder a saúde e sentir medo do fim foram coisas que serviram de impulso pra que ele fizesse o que sempre quis fazer. Observando aquele senhor admirar a paisagem, eu tive certeza que ninguém ali estava mais vivo do que ele.
Por causa disso tudo, eu aprendi a (tentar) pensar na morte sem aquela carga de medo e dor que a gente embrulha junto no pacote. E, pra mim, só tem um jeito de fazer isso: pensando na vida como uma viagem.
Não sei de você, mas eu quero viver viajando. E, mesmo quando não der pra viajar, quero viver viajante.