Visitar o bairro de La Boca em Buenos Aires sem conhecer a história do Caminito pode até ser interessante. Afinal, a ruazinha cheia de cor, arte e movimento é um dos maiores cartões-postais da Argentina.
Mas, se você quer se aprofundar um pouquinho mais para entender o verdadeiro significado do lugar, leia este post que eu garanto: as coisas que você vai descobrir aqui podem fazer toda a diferença pra deixar seu passeio pelo Caminito bem mais bonito, emocionante e cheio de significado.
Muito mais do que um “lugar instagramável” em Buenos Aires, o Caminito conta a história de um garotinho abandonado que se tornou um grande artista, mas nunca se esqueceu de onde veio.
A história do Caminito também é a história de Benito Quinquela Martín. Ele foi deixado em um orfanato do bairro de La Boca, em 1890, quando ainda era um bebê com poucos dias de vida. Aos 6 anos, foi adotado por uma indígena argentina chamada Justina Molina e seu marido, Manuel Chinchella, um imigrante italiano, de quem adaptou seu sobrenome.
Desde muito cedo, Benito trabalhou no movimentado porto de La Boca, carregando carvão como seu pai. Eles viviam no bairro, que nessa época, já era conhecido por seus ‘conventillos’, cortiços montados em casarões abandonados, remendados ou feitos com sucata, placas de zinco e entulho encontrado pelos trabalhadores no porto. Há quem diga que as casas de La Boca eram coloridas porque eram pitadas pelos moradores com tintas que sobravam das construções e reparos dos navios.
Sobre rejeições e segundas chances
Crescendo nesse cenário, sempre que sobrava algum tempo, Benito Quinquela Martín usava pedaços de carvão para fazer o que mais gostava: desenhar. Um pouco mais tarde, ainda adolescente, ele teve oportunidade de estudar arte em uma escola comunitária do bairro, o Conservatório Pezzini-Stiattesi, onde aperfeiçoou seu talento para os desenhos e a pintura. Foi lá também que Benito fez boas amizades, com outros artistas plásticos e com Juan de Dios Filiberto, que era poeta e compositor (e que ainda vai ter um papel importante neste história, guenta aí, rs).
Os amigos do Conservatório tinham a esperança de expor seus trabalhos no aclamado Salão Nacional de Buenos Aires, mas acabaram todos ficando de fora da seleção final de peças. Por causa disso, em 1914 eles criaram o Primeiro Salão dos Recusados da cidade e expuseram suas peças rejeitadas pelo evento oficial.
E foi aí que a história de Quinquela Martín realmente começou a mudar.
As pinturas dele chamaram a atenção da imprensa e dos críticos da época e, assim, Eduardo Taladrid, secretário do diretor da Academia Nacional de Belas artes chegou até ele. Benito ganhou um mecenas que ofereceu tudo que faltava para que sua carreira decolasse: tintas, materiais diversos, financiamento, contatos.
Depois de vencer uma premiação em 1920, ironicamente no Salão Nacional, Quinquela Martín conquistou o apoio do governo Argentino e viajou para a Espanha, dois anos depois, direto Círculo de Bellas Artes de Madri. De lá, ele foi convidado a expor em Paris, Nova York, Havana, Milão e Londres.
O menino que desenhava com carvão em La Boca passou a ser reconhecido internacionalmente por suas obras, retratando o dia a dia do porto onde cresceu. O preto e o branco do carvão de Martín tinham dado lugar a uma explosão de cores.
Mas, em La Boca, a realidade era bem diferente.
Enquanto Quinquela Martín construía uma carreira de sucesso no exterior, seu bairro de origem enfrentava sérios problemas. Uma pequena rua em especial (adivinha qual?) foi ficando seriamente deteriorada.
Apesar da decadência das construções e da estrutura da rua, os moradores do Caminito preservam um colorido na alma, na música que era tocada, cantada e dançada ao ar livre, no chão de terra batida. Essa energia toda inspirou o poeta Juan de Dios Filiberto, amigo de Quinquela Martín, que compôs o tango Caminito, gravado em 1927 pelo célebre Carlos Gardel.
Apesar de ter um nome conhecido no mundo da música, o Caminito seguiu abandonado durante anos até que, na década de 50, um morador de La Boca entrou em contato com Quinquela Martín, pedindo ajuda. Eles organizaram um mutirão entre vizinhos e deram para a ruazinha cinza todo o colorido original que tanto destacou as obras do pintor.
Em 1955, o Caminito renasceu para se tornar o que conhecemos hoje.
E em 1959, o lugar se tornou oficialmente uma Rua Museu. Artistas talentosos foram contratados para decorar a área com murais e outras obras. Entre eles, temos Juan Carlos Castagnino, Enrique Sobisch, Mauricio Lasansky e Genaro Pérez Villaamil.
Contando com essa força-tarefa, formada também por muitos moradores e apaixonados pelo bairro, Quinquela Martín se motivou a investir cada vez mais na restauração da região.
Assim como Quinquela Martín, La Boca tinha sido abandonado. E assim como o bairro cuidou dele, ele decidiu cuidar do bairro.
Além do Caminito, Benito fundou a Escola de Bellas Artes de La Boca, que se tornou uma importante instituição cultural da Argentina. Também promoveu e financiou a construção de creches, escolas e hospitais e criou a primeira biblioteca pública de La Boca, que até hoje leva seu nome.
Hoje, o Caminito é um museu a céu aberto, cartão postal de Buenos Aires e um dos pontos turísticos mais fotografados do mundo, segundo o Google Maps.
E mais do que isso, é o legado de um homem que usou a arte para transformar, não só sua vida, mas uma comunidade inteira.
Conhecer a história do Caminito transformou completamente a minha visita, deu um significado muito mais forte e profundo para o colorido dessa rua tão original de Buenos Aires.
Espero que esse post tenha feito o mesmo por você.
Dicas práticas para visitar o Caminito, em Buenos Aires
Dica 1: Nos fins de semana, o Caminito costuma ficar extra-movimentado. Eu fui em um sábado à tarde e confesso que adorei o burbirinho. Mas se você quer encontrar um cenário mais tranquilo, prefira as manhãs em dias de semana.
Dica 2: Alguns viajantes me contaram que se sentiram inseguros na região. Não foi o meu caso de maneira alguma, caminhei pelo Caminito tranquilamente e consegui curtir todo o charme e a história do lugar. Mas como prevenir nunca é demais, lembre-se: em qualquer cidade turística, principalmente em locais públicos, é importante ficar atento a sua bolsa, celular, dinheiro, cartões e documentos.
Dica 3: Se bater uma fome e você for o tipo de viajante que gosta de experimentar comida de rua, vale dar uma chance aos carrinhos de choripan do Caminito. Lá também tem opções de restaurantes como o El Gran Paraíso, que tem boa comida e uma decoração típica, cheia de placas em fileteado portenho, os letreiros típicos argentinos.
Se quiser ver mais fotos do Caminito e dicas de Buenos Aires, no Instragram @outrosroteiros eu deixei salvos os Stories dessa viagem nos Destaques. Passa lá!