Porque eu desisti de fotografar a lua

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Eu tive a chance de ver a lua nascendo a 11 mil pés de altitude e quase desperdicei o momento tentando tirar fotos.

Le Voyage Dans La Lune de Georges Méliès

Era um voo vazio e tranquilo de volta pra casa depois de uma viagem puxada de trabalho. Eu estava quase pegando no sono quando a voz do comandante avisou “Aos senhores passageiros que estiverem sentados à direita da aeronave, eu recomendo que olhem pela janela a lua despontando no horizonte. Os que estiverem à esquerda, podem se levantar e mudar de lado por uns minutos para não perder esse espetáculo da natureza.”

Eu não pensei meio segundo e pulei pra poltrona vaga mais próxima. Testa na janelinha, celular na mão, câmera a postos. Eu sempre tive um caso de amor com a Lua e, desde que me vi pela primeira vez por trás das lentes da minha saudosa Cybershot, muito antes de sonhar que o Instagram pudesse existir, eu tentava fotografar aquela incrível bolota branca cintilante que teimava em sair igualzinha a uma lâmpada de poste capenga em todas as minhas fotos.

A lua agita as marés e acalma meu coração ansioso, é tema de musicas e poemas, mas não é nada-nada-nada fotogênica. Não pra quem anda por aí desprovido de um tripé e uma lente telescópica acoplada a uma câmera ultraprosissional. E eu nunca tinha conseguido aceitar esse fato, até embarcar naquele voo.

Assim que entendi o aviso do comandante, entrei numa espécie de desespero fotográfico. Na noite escura, não dava pra entender onde acabava o chão e começava o céu, até que um crescente luminoso começou a surgir, devagarzinho, pra depois se descolar da linha do horizonte e pratear tudo em volta.  O comandante estava certo. Era um espetáculo e ele acontecia bem na minha frente, enquanto meu dedo apertava malucamente o botão de disparo da câmera e eu me contorcia na poltrona, tentando me livrar dos reflexos das luzes da cabine na janela. Foi só aí que eu entendi. A lua de verdade estava do lado de fora e era pela janela que eu deveria estar olhando, não pela tela do meu celular.

 

Talvez você não tenha percebido, mas aposto que você já viveu algo parecido. E espero que você também entenda:

Não adianta tentar registar em pixels a lembrança de um momento que a gente não viveu de verdade.

É, eu sei. É tanta vontade  de compartilhar com quem está longe as coisas incríveis que aparecem pelo caminho que a gente nem levanta os olhos pra que enxergar quem está perto e acaba colocando uma barreira entre a gente e a vida. É uma telinha bem pequena, mas é o suficiente pra bloquear a visão de tudo o que está em volta.

Porque não é só o click. É a edição, a escolha do filtro perfeito, os pequenos retoques e, principalmente, a espera das curtidas de quem você imagina que gostaria de estar ali ao seu lado ou até no seu lugar.

Mas quem é que está – de verdade – no seu lugar? Você que não é.

Você não está vivendo o presente. Está antecipando uma atenção futura por conta do registro de um momento que você nem aproveitou e já virou passado.

Dia desses, eu li que nas Maldivas existe um resort que oferece um serviço de mordomo de Instagram. Sim, um cavalheiro de fino trato e talento fotográfico que guia os hóspedes por trilhas exclusivas que levam às locações mais curtíveis e comentáveis da propriedade. O Insta Butler dirige as poses, encontra a luz perfeita e usa até drone pra capturar cenas tão deslumbrantes quanto forjadas. Eu sei, eu sei que pra quem ganha a vida vendendo imagem, esse é um investimento que faz  sentido e vale  a pena. O resultado dessa trabalheira toda é sim de tirar o fôlego e eleva o senso estético de todo mudo que gosta de fotografia. Mas é pra ser inspiração, não perturbação. Se a busca pela foto perfeita anda ditando as regras das suas viagens, atrapalhando seu descanso, seu tempo ao lado dos seus amigos e da sua família, pode apostar que você passou do ponto.

Eu imagino que fotografar seja grande parte da diversão pra você. Pra mim também é. Mas depois de aceitar que a lua no meu celular nunca vai ser tão linda quando a lua ao vivo, eu percebi que é melhor me entregar ao momento do que perder tempo demais teimando em capturá-lo. É melhor me sentir parte do lugar do que tentar me enquadrar perfeitamente na regra dos terços.

É melhor ter no álbum uma única foto tosquinha, mas que traga uma lembrança boa de verdade, do que registrar a imagem perfeita de um momento vazio.

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