Quer saber? Eu vou sozinho. | A jornada desse cara pela Islândia prova que você nunca deve desistir de uma viagem por falta de companhia

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Uma trilha de 80km a pé, sete dias de road trip, oito dias sem internet nem telefone, e uma derrapagem que quase acaba penhasco a baixo, com direto a um lago congelante no final. Tudo isso sozinho da Silva, num país de vulcões e geleiras, onde o povo é descendente de viking e come baleia no jantar. Você encararia? O André Öberg encarou. E o resultado, além de fotos incríveis e muitas reflexões, foi este filme de 4 minutos que deixa a gente de queixo caído com a lindeza da Islândia e doido pra viajar sozinho também. Dá o play:

Antes de papear com o André sobre essa viagem, meu conhecimento sobre a Islândia não ia muito além da Björk e do vulcão que entrou em erupção em 2010 e cujo nome – Eyajafjallajökll –  talvez consiga pronunciar numa próxima vida. Mas, só pra dar um panorama, a Islândia é um país escandinavo, com território um pouco menor do que o de Minas Gerais ( <3 ) e tem pouco mais de 300 mil habitantes, sendo que 200 mil deles moram na capital Reykjavik ou Reiquiavique, escrevendo aportuguesadamente.

reiquiavique capital islândia

Além de islandês, lá quase todo mundo fala inglês. Os islandeses em geral são receptivos e cultos pra caramba. Pra você ter uma ideia, 10% da população tem pelo menos um livro publicado. Isso porque a Islândia foi povoada por vikings que eram tradicionalmente contadores de histórias e aí esse costume acabou ficando com a galera de lá até hoje.

Eles são um dos países mais pacíficos e seguros do mundo. Ideal pra quem quer viajar sozinho. Durante o ano todo, a Islândia fica quase inteira coberta de neve que só derrete quando chega o verão, entre maio e agosto. O que mais? Um dos pratos típicos deles leva carne de baleia. Ahan. Free Willyzinhas. Eu achei meio triste, mas cultura é cultura. E o André disse que é uma delícia.

Se você quer saber tudo o que André viveu durante a sua jornada solitária pela Islândia, é só ler esta entrevista que começa aí embaixo.

Alone in Iceland

Ah! Antes de começar pra valer, é importante falar que o André é publicitário e fotografo e todas essas fotos incríveis são dele. Agora pronto. Vamo lá:

  • Primeiro de tudo, por que a Islândia?

André: Eu ouvi muito na época em que estava planejando a viagem “O que é que tem a Islândia?” O que você vai fazer lá?” Mas minha história com a Islândia começou há muito tempo. Quando eu tinha uns 9 ou 10 anos, meu pai me deu a coleção dele do Julio Verne e o primeiro livro que eu li foi Viagem ao Centro da Terra, que se passa na Islândia. Desde essa época a Islândia ficou na minha cabeça. Bem mais tarde, quando eu comecei a me interessar por fotografia, pesquisando fotógrafos de paisagem, eu vi que a galera ia muito pra lá. No verão, a Islândia é o paraíso dos fotógrafos porque, além da diversidade de paisagens, lá o sol se põe meia noite e nasce 3h da manhã. Então é muito tempo de luz e muito tempo de luz lateral, que é muito legal pra fotografar.

geleira na islândia

  • E por que você resolveu viajar sozinho?

André: De início eu não queria viajar sozinho. Queria ir com amigos e alguns até toparam. Mas ir pra Islândia não é simples e também não é muito barato. Quando as pessoas separam uma grana pra viajar, dificilmente a Islândia vai estar na lista. E aí os amigos foram desistindo.

Mas assim que eu percebi que a viagem estava em risco porque ninguém mais topava ir eu falei “Quer saber? Vou sozinho.”

penhasco islândia viajar sozinho

  • Você já tinha feito alguma viagem sozinho antes?

André: Não desse porte. Essa foi uma expedição. E o legal é que, como eu estava sozinho, num lugar com muito pouca gente, eu passei por problemas que eu nunca imaginei passar e isso tornou a viagem muito mais interessante do que ela poderia ser.

  • É? Como assim?

André: O interessante de uma viagem é que você tem que lidar com o desconhecido o tempo todo. E, quando você tá sozinho, isso se amplifica de uma forma absurda porque você passa a ser um desconhecido pra você mesmo. Você sai de todas as suas zonas de conforto e se comporta de uma forma que você não está acostumado.

viajar pela islândia

  • E agora você sente que se conhece melhor?

Sim. Melhor, diferente. Foi algo que nunca tinha feito antes, você reage de forma que não está acostumado e se surpreende. Positiva e negativamente. Mas com certeza, o que mais aprendi foi a lidar com o medo e a insegurança. E melhorei meu desapego também.

Trilha islândia

  • Qual foi a melhor parte de viajar sem companhia?

André: Uma das melhores partes de viajar sozinho foi me obrigar a conhecer muita gente. Eu sabia que não conseguiria passar tanto tempo sem ter comunicação com ninguém. Eu devo ter conhecido umas 30 pessoas  durante a viagem. Foi como viajar com várias pessoas em momentos diferentes. Outra coisa legal foi que a viagem foi 100% minha. Eu controlei totalmente o meu tempo, o que não aconteceria se tivesse mais alguém comigo. Como eu parei muito pra fazer filmagem, time lapse, quem estivesse me acompanhando com certeza ficaria de saco cheio, por exemplo.

viagem pela islândia

  • Teve algum momento em que você quis ter algum amigo ali do lado com você?

André: Ah, vários momentos. Durante a viagem eu fiz uma road trip e rodei 3,500km em 7 dias. Eu via momentos maravilhosos e sentia a necessidade de conversar com alguém. Depois de 4 dias na solidão da estrada, eu conversei várias vezes com o carro, falava sozinho, falava com amigos como se eles estivessem ali do meu lado. Foi engraçado.

  • Você chegou a ficar 100% incomunicável?

André: Durante a road trip foram 8 dias sem internet, sem telefone, sem nada. Foi por opção minha, pra ter um momento de reclusão. Eu tinha um GPS pra contactar o resgate e salvamento de Reiquiavique e, apesar de ter passado perrengue, eu não cheguei a precisar.

paisagens islândia viajar sozinho

  • Conta esse perrengue aí…

André: Aconteceu porque eu queria chegar até o Noroeste da Islândia, que é o lugar menos povoado. Eu já tinha dirigido por oito horas seguidas, estava muito cansado e ainda faltavam três horas pra chegar. Mas eu não queria abrir mão daquele lugar de jeito nenhum. Foi aí que o GPS me indicou um caminho que não tinha no meu mapa físico e passava por cima das montanhas. Parecia arriscado, mas por esse atalho, eu chegaria em uma hora e meia em vez de três. O sol tinha se posto havia pouco tempo, nasceria em meia hora e eu me empolguei com a possibilidade de ver tudo isso de cima da montanha. Era uma estradinha de terra fofa e, quando comecei a subir, vi que tinha uns focos de neve pelo caminho. Eu não estava com o carro preparado pra andar na neve. De repente, eu me deparei com uma curva toda coberta de neve e, no susto, fiz o que eu não deveria ter feito: atochei o pé no freio. Comecei a derrapar, do lado de um desfiladeiro com um lago imenso lá embaixo. Só consegui parar muito perto de cair. Nesse momento, eu saí do carro, andei um pouco, olhei o desfiladeiro, depois  fiquei uma hora sentado no chão, pensando na vida. Fiquei questionando o que eu estava fazendo e se realmente precisava passar por isso.

“Mas quando o perrengue passa e vira história pra contar, você acorda no dia seguinte pronto pra fazer tudo de novo.”

cachoeira Islândia viajar sozinho

  • Depois disso tudo, mudou alguma coisa no seu jeito de pensar?

Com certeza mudou. Principalmente por ter ficado tanto tempo sem comunicação. Quando eu decidi viajar sozinho, abrir mão de tecnologia, eu vivi um outro tipo de rotina e vi que certas coisas não me fazem falta. Eu não senti saudade de coisas que eu tinha certeza que sentiria. Quando eu voltei, passei a me relacionar com tudo de uma forma diferente. Não deixei de usar nada, claro. Mas a relação é diferente. Eu também pensei em uma série de outras coisas que eu julgava serem importantes e vi que são importantes, mas não tanto. Principalmente em relação ao trabalho.

viagem de carro pela islândia

  • Você contou que conheceu bastante gente. Ficou alguma amizade pra depois da viagem?

André: Sim. Nos quatro primeiros dias que eu fiquei em Reykjavik, me hospedei na casa de uma família: a Rosa Björk, o marido dela, a filhinha deles de 10 anos e dois chihuahuas. Fiquei amigo dos cinco. Além deles, no primeiro dia da trilha Laugavegurinn, conheci um outro fotógrafo, um sueco chamado Fred, e nós mantemos contato até hoje. Ele me ensinou a identificar os lugares na trilha onde o gelo era fino. Eu sou carioca e pra mim, gelo é só na geladeira. Não entendo nada disso. Mas o Fred me explicou que, por causa da atividade vulcânica do lugar, tem muita fumaça saindo do chão. As vezes a neve cai e cobre isso enquanto a fumaça vai derretendo a neve lá embaixo, formando cavernas de gelo. Como você tá em cima, não dá pra ver. Se não souber identificar, você corre o risco de cair numa dessas cavernas. Saber disso deixou a trilha muito mais segura pra mim.

mar islândia viajar sozinho

  •  Agora conta sobre o Alone in Icenad (o filme que tá lá em cima no começo do post ou aqui nesse link)

André: Fazer um filme assim era uma vontade antiga, desde 2011, quando eu viajei pra Escócia e pro Peru. Eu já tinha feito uma tentativa, mas não ficou muito boa e eu nem cheguei a concluir. Mas, dessa vez, na Islândia, eu decidi levar a sério. Pesquisei, estudei, fiz vários testes aqui antes de viajar, mas não pensei muito em que estilo iria usar, deixei rolar na hora. A ideia era ser um reflexo de tudo o que eu vivi na viagem. Eu fui com muito pouco equipamento e sem ajuda. E nos dias de trilha, carregar um tripé não foi muito agradável. Mas valeu o sacrifício. Apesar dos defeitos que eu vejo, fiquei bem satisfeito com o resultado e o feedback foi bem legal. Quando eu postei no Vimeo, eu tinha uma expectativa de uns 1 mil ou 2 mil views no máximo. Dois meses depois, já tinha 50 mil. Teve muitos comentários, inclusive de fotógrafos que eu admiro e pessoas que já tinham ido pra Islândia. Teve muita troca a eu fiquei surpreso porque muitas pessoas que eu não conhecia que vieram falar do filme, me mandaram e-mail, vieram falar comigo no Facebook. E isso me motivou a  fazer outros planos e até pegar esse projeto e levar pra outro nível.

por do sol islândia

  • Você viajaria sozinho outra vez, né?

Sim. Na verdade, eu tenho planos de viagem na cabeça e todos envolvem alguém. Mas se eu começar a planejar e ficar sem companhia, vou replanejar pra fazer sozinho. O que eu acho importante é não perder a oportunidade de viajar.

  • Pra onde você tá pensando em ir?

São quatro planos pras próximas viagens:

Nova Zelândia – assim como a Islândia é um país bastante pacífico. São menos preocupações em relação a estar seguro. Iria sozinho amarradão.

Do Atacama à Patagônia – descer de carro, do deserto de sal até as geleiras.

Sudeste Asiático – Tailândia, Laos, Camboja e Vietnã. Essa tá bem na moda, mas dá pra fazer de um jeito diferente.

Irlanda de bike – dar a volta pelo país de bicicleta, misturando todas as paisagens verdes irlandesas com as cidades, os pubs e a cerveja.

expedição islândia

  • Pra encerrar, dá umas dicas pra quem tá pensando em viajar sozinho.

Duas coisas muito importantes pra quem quer viajar sozinho:

1 Planejamento

Quando você viaja sozinho você precisa de segurança e o que dá segurança é o seu nível de planejamento. O legal é fazer um planejamento que possa ser quebrado. Planejamento  não é pra ser seguido à risca e sim pra você maximizar o tempo que você tem durante a viagem. Quanto mais minucioso o planejamento for, mais possibilidades ele abre pra viagem ser diferente do que você planejou. Porque se não, quando  voltar, você vai ver que sua experiência poderia ser cinco vezes mais do que ela foi e isso gera uma frustração desnecessária.

Durante essa fase de planejamento,  conheça pessoas locais ou que já viajaram pro mesmo lugar que você quer ir. Mande e-mails, pergunte, se informe, peça dicas, tire dúvidas sobre a cultura, costumes, comida etc. Esse contato enriquece muito a viagem e é umas das partes mais legais de se planejar.

2 Silêncio

“Viajar sozinho gera um processo de silêncio.”

Mesmo que você fale sozinho ou pense muito durante na viagem, você fica com tudo aquilo pra você e ali na hora, não tem como dividir com ninguém. O que eu indico é pegar esse silêncio e transformá-lo em alguma coisa: ou escrever, fazer um filme, fazer fotos, fazer um blog, pense numa forma de extravasar tudo o que fica dentro de você.

  • Oh! Fechou com chave de ouro. Obrigada, André!

Demais, né? Se você se inspirou e tá pensando em ir pra Islândia também, aqui vai o que o André fez:

Roteiro solitário pela Islândia

4 dias em Reiquiavique pra se adaptar ao ambiente e à cultura.

8 dias na estrada, percorrendo 3.500km

5 dias na Trilha Laugavegurinn – 80 km a pé, dormindo acampado ao longo do caminho.

2 dias de Reiquiavique de novo, pra se despedir.

E como bônus, o André deixou o link de um mapa da Islândia com os melhores lugares para tirar foto.

alone in iceland27

Pronto, gente! Beijo e boa viagem.

Ah! As mulheres que estão pensando em viajar sozinhas vão gostar desse post sobre Duas Amigas Rumo aos Países mais Perigosos para mulheres.