A Joana e a Paula têm um plano. Elas vão arrumar as malas e visitar, um por um, os 10 países mais perigosos para mulheres viajantes, segundo o IWTC. Eita! Mas pra que isso, gente? Vão se arriscar assim a troco de quê? Não é melhor ficar quietinha em casa? Não. Não é. Nem adiantaria, já que o 4° colocado da lista é o nosso Brasil brasileiro. E, se elas ficassem quietinhas, nós não poderíamos assistir ao Voo Solo, o documentário que vai retratar toda a jornada das duas e tentar responder por que as mulheres não são assim tão livres pra viajar mundo a fora.
Só pra esclarecer: nesta lista, o IWTC – Internacional Woman´s Travel Center – classifica os países mais prováveis de serem procurados como destinos turísticos, levando em conta o quão violentos e desagradáveis eles podem ser para mulheres. Os critérios são índices de criminalidade, assédio, perseguição e estupro. Credo. Como a Joana bem destacou, o fato de existir um guia que ranqueia os países mais perigosos, e os menos, para mulheres é algo impressionante. Se você tem um amigo que vai para Índia (o 1° lugar do ranking), por exemplo, ele pode ter uma série de preocupações, mas, com certeza, ser estuprado não é uma delas. O Voo Solo tá aí pra retratar essa que é a nossa realidade.
A ideia do projeto surgiu em novembro de 2015, enquanto a Joana participava de uma mentoria para mulheres empreendedoras do Think Olga, uma ONG de Empoderamento Feminino. Por uns meses, o projeto ficou meio de lado, mas quando surgiu a notícia das estudantes argentinas assassinadas no Equador, ela percebeu que não dava pra deixar engavetado. E foi aí que a Paula entrou na história. Ela estava procurando oportunidade de participar de algo realmente importante quando a Joana fez o convite. As duas trabalharam em dupla em uma agência de publicidade e resolveram largar tudo pra fazer o Voo Solo acontecer. O documentário vai ser viabilizado por crowdfounding e a gente não vê a hora de poder colaborar.
As duas vão começar pelos países mais perigosos para mulheres viajantes nas Américas: Brasil, Colômbia, Venezuela, Honduras e México. Depois seguem rumo à Índia, Turquia, Quênia, Arábia Saudita e Egito.
Elas vão conversar com turistas, coletivos feministas e mulheres locais pra entender por que esses países são tão perigosos para mulheres, as suas e as estrangeiras.
Eu me identifiquei 100% com o tema, fui atrás das meninas pra fazer uma entrevista e compartilhar aqui. Dá uma olhada:
Vamos começar com uma pergunta machista: algum gentil e bravo cavalheiro vai junto para defendê-las?
Joana: Nope. Sem bravo e gentil cavalheiro. A ideia é que tudo seja feito só por mulheres. Uma amiga até sugeriu ter um homem de equipe de apoio, que era loucura viajar assim. Só que acho que perde a legitimidade do projeto. MAS, a gente já correu atrás de um curso que tem em São Paulo que se chama: Defesa Pessoal para Minas. Só de pensar que a gente tem que recorrer a defesa pessoal, mesmo pra viver o dia-a-dia, é algo que já traz alguns questionamentos a respeito da sociedade que a gente vive. A Paula já ameaçou que vai levar uma arma de choque e um spray de pimenta. Veremos…
Paula: O nosso objetivo além de documentar, é ter um trabalho que consiga captar esse “perigo” também durante o processo. Vamos evitar nos arriscar em situações mais perigosas, mas um gentil e bravo cavalheiro não é uma opção que caiba na nossa história.
Como tem sido a reação das famílias de vocês? Tem mais torcida ou mais pé atrás?
Joana: Sabe que eu não contei pros meus pais ainda? Apesar da minha irmã saber e apoiar. Acho que não vai haver muito problema. A minha mãe morou uns 3 anos na Venezuela, que está no ranking, quando eu era criança.
Atualização: A Joana acabou de contar sobre o Voo Solo pra mãe dela, que disse: “minha filha, meu coração até parou agora.” mas acabou apoiando, com o clássico “se cuida”.
Paula: A minha família não sabe. Prefiro poupar minha mãe por enquanto da preocupação. Mas tenho certeza que terei apoio.
Só de divulgar o Voo Solo, muitas mulheres já dividiram com vocês os constrangimentos/perrengues/perigos que passaram durante suas viagens. Quais dessas histórias foram mais marcantes?
Joana: Pra mim, foi de uma mulher que é da periferia da São Paulo e faz parte de um coletivo chamado Nós, Mulheres da Periferia. Eu quis entrevistá-la por ela sair do recorte “classe média brasileira”. Ela me disse que a perseguiram no Uruguai e, por ser negra, gritavam: morenaça, morenaça. Ela não saiu a noite no país, por ter ficado com medo. Como negra, isso me deixou bastante incomodada, porque, se existe o aprisionamento da mulher, o da mulher negra pode ser ainda maior.
Paula: Eu ainda não consigo identificar uma história mais marcante, todas as pessoas que conversaram comigo são muito amigas e sofri muito junto com todas, ouvindo seus desabafos.
Existe algum cuidado específico que é preciso tomar por país ou região? Ou os pontos de atenção são sempre os mesmos?
Existem os cuidados básicos tipo, não fale com estranhos, não aceite carona, não durma na casa de desconhecidos. O que é complicado também, já que você vai para um país estrangeiro pra conhecer o mundo do outro. A gente vai viajar pelas Américas primeiro, então, ainda não existem TANTOS cuidados específicos, como os que a gente já toma para viver no Brasil. Vamos nos atentar mais para isso quando formos para a Índia, Arabia Saudita, Quênia, Turquia e Egito, que são os outro cinco países mais perigosos e são países muçulmanos ou com forte influência religiosa (tipo, o Brasil :)). Ah, existe tomar vacina pra febre amarela também e não tomar água da torneira no México.
Dá pra diferenciar o que é um posicionamento de mulher confiante e o que é uma afronta à cultura local?
Joana: Ser mulher numa sociedade machista já uma afronta, né? É uma luta diária para você se posicionar. Agora, ser mulher de classe média é uma coisa. Ser mulher preta, da periferia, do sertão, é outra. Posso falar do meu recorte como preta brasileira de classe média, que a gente afronta a cultura local vestindo o que a gente quiser, xingando os caras que nos cantam na rua, escolhendo não casar, trepar com quem quiser, usando o cabelo sem alisar, indo para os países mais perigosos do mundo. Eu acho que a confiança surge por você dizer: não vou me sujeitar a regras que foram criadas pra me tolir, mesmo sabendo dos riscos que posso correr. Também acho que ser uma mulher confiante vem da afronta à cultura local, quando a cultura local te trata como cidadã de segunda-classe. Alguém tem que abrir o mato pra subir o prédio. Agora, essa diferença dentro de um outro recorte, já não tenho propriedade para falar. Sugiro um doc chamado “Severinas” que fala do empoderamento da mulher sertaneja depois do Bolsa-família.É bem lindo e feito por uma mulher.
Dá pra diferenciar precaução de paranoia? Ou melhor, dá pra viajar sozinha e se divertir de verdade?
Joana: É uma linha muito tênue e, talvez, só dê para diferenciar quando você é do país ou conhece alguém dali. Por exemplo, o guia que classifica os países mais perigosos, diz que existem assaltos no Brasil por motoboys e que SE VOCÊ TIVER que ir ao Brasil, vá a Natal. Para mim, brasileira, é engraçado ler isso, mas uma turista pode evitar as demais cidades do Brasil depois de ler essa notícia. Acredito que seja paranoia quando você toma precauções que vão além do que você faria em outra viagem, do que é norma no país e situações do seu dia-a-dia. Dá pra viajar sozinha e se divertir, sim. Eu viajo muito sozinha e sempre me divirto. Grande parte das amizades gringas que eu tenho, fiz viajando. Agora, não sei se eu me diverti DE VERDADE, como um cara se divertiria ou se só tinha uma ignorância maravilhosa e nunca soube o que era diversão mesmo.
Paula: É até estranho responder isso, mas eu NUNCA viajei sozinha. Fui criada com muita paranóia e medo, obviamente isso influenciou minhas escolhas. Não tenho como responder, mas sei que com o Voo Solo vou me libertar de todos os medos e ser uma viajante confiante após esse processo, esse também foi um motivo pelo qual amei o convite da Jo. Além de estar ajudando milhares de mulheres, estarei ajudando a mim mesma.
Do que vocês têm mais medo?
Joana: Sem dúvida, estupro e ser torturada. Se morrer de um susto, de um desastre natural, acho que poderia acontecer em qualquer lugar. Mas estupro é um crime de ódio que deixa marcas extremas. Então, voto nele. E, veja só, acho que um homem, dificilmente, responderia isso.
Paula: Concordo totalmente com a Joana. Acho que qualquer tipo de agressão, seja verbal ou física é traumática. Mas estupro com certeza está em primeiro lugar.
Se o bicho pegar, como vocês pretendem pedir socorro?
Joana: Eu falo inglês e espanhol fluentemente, Paula fala inglês fluentemente também. A gente se garante na hora de se comunicar. Além disso, a Embaixada Brasileira é bem presente em todos os países, temos a polícia, que eu tenho certo receio em confiar, mas temos e vamos sair daqui com seguro-saúde comprado, por que não existe só a violência, a gente pode cair, se machucar e seguro dos equipamentos também, caso sejamos roubadas.
De que tipo de ajuda vocês precisam pra levar o Voo Solo pra frente? Como faz pra ajudar?
Dinheiro e divulgação. Nós dividimos o projeto em duas etapas: vamos a cinco países de início, finalizar a primeira fase e depois ir aos outros cinco. É uma viagem bem cara. Nós vamos deixar nossos empregos para ir e precisamos receber um salário também. Além disso, estamos pensando em levar outra menina, que esteja bem por dentro da linguagem de documentário. Então, todo mundo tem que receber, viajar, descansar, comer. Depois, tem a pós-produção, edição. Enfim, se alguém tiver lendo e quiser doar as passagens, já vai ter contribuído para uns 50% do funcionamento do projeto. E, nós vamos entrar em crowdfunding em breve. Quem quiser doar nessa etapa, já guarda o dinheiro que estamos pensando em contrapartidas super legais.
Por onde a gente pode acompanhar a jornada e interagir com vocês ao longo dela?
Por enquanto, pelo facebook.com/voosolodoc, mas vamos criar novos canais tipo: site, Instagram, Periscope, Twitter, Snapchat, o enxoval inteiro. : )
O que vocês esperam que fique de mensagem no final do Voo Solo?
Esperamos que fique o questionamento sobre a liberdade e a opressão sobre o corpo feminino. A gente vive cercada de não-podes, somente, por vivermos em sociedades machistas. Existem linhas invisíveis, mas que são muito claras para as mulheres e recados que são dados por essa sociedade que vão desde código de vestimenta à mutilações e feminicidio. Então, queremos que fique o questionamento e que criemos discussões sobre o quanto é difícil nós sermos, verdadeiramente, livres.
Demais, né? Espero que logo logo eu possa postar novidades sobre o Voo Solo por aqui.
É isso.Obrigada pela entrevista, parabéns pela coragem e boa viagem, meninas!
E você que tá lendo, clique aqui pra seguir o Voo Solo no Facebook.
: )
Postado por Gabriela Alvarenga
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