O mês de março no Outros Roteiros vai ser sobre mulheres viajantes. Aqui a gente vai papear sobre grandes viajadeiras que fizeram história ou que têm grandes histórias de viagem pra contar.
Pra começar, vamo ali comigo até o iniciozinho do século passado pra conhecer uma moleca magricela que cresceu e se tornou um ícone da aviação.
O nome dela era Amelia Mary Earhart e ela nasceu no Kansas – Estados Unidos, em 1897, uma época em que as mães treinavam suas filhas para se comportar como princesas e se parecer com bonecas de porcelana. Mas, em vez disso, Amelia e sua irmãzinha vestiam calças folgadas pra poder subir em árvores, descer de trenó morro abaixo, correr pra todo lado com joelhos ralados, descabeladas e felizes da vida. Elas tinham uma coleção de insetos, exploravam a vizinhança e caçavam ratos com um rifle. Se isso não é girl power eu não sei o que é ; ) A família Earhart era bem prafrentex, incentivava o espírito de aventura e acreditava que crianças tinham que descobrir o mundo, sem se importar com o fato de serem meninos ou meninas. Crescendo numa casa assim, não é de se estranhar que Amelia não estivesse nem aí pras convenções e preconceitos da época e decidisse se tornar aviadora, mesmo que a profissão fosse vista como coisa de homem. De homem bem macho, na verdade.
Agora para pra pensar. Quantas vezes na vida você voou num avião pilotado por uma mulher?
Eu voei uma vez só e achei sensacional ver uma moça de cap na cabine de comando. Imagina o que isso causava na cabeça do povo nos anos 20 e 30? Era um frenesi ensandecido. A coragem e o carisma da Senhorita Earhart impressionavam tanto que ela se tornou uma super celebridade internacional.
Só que antes da fama decolar, a menina do Kansas teve que caminhar um bocado. Amelia se formou no colégio e foi pra faculdade estudar mecânica, depois medicina, mas não concluiu nenhum dos cursos e resolveu trabalhar como enfermeira da Cruz Vermelha no Canadá para socorrer os soldados que voltavam da Primeira Guerra Mundial. Dizem que foi observando os aviões militares que ela começou a se interessar pelas fantásticas máquinas voadoras.
Mas só depois de pegar carona num avião pela primeira vez, em 1921, que ela enfiou na cabeça que faria carreira na aviação. E não sossegou até conseguir. Trabalhou como fotógrafa, motorista de caminhão e telefonista, até que juntou dinheiro suficiente pra pagar pelas suas primeiras aulas de voo, em Long Beach – California, incentivada pelo seu pai. No campo de pouso, ela se aproximou de uma aviadora experiente chamada Anita Snook e disse: Quero voar. Você me ensina?
Amelia se mostrou muito boa aluna e tomou tanto gosto por voar que juntou dinheiro de novo e, com ajuda da mãe e da irmã, comprou seu primeiro avião: o Canário . Ele foi batizado assim porque era pequeno e todo pintado de amarelo brilhante. Pouco mais de um ano depois, Earhart bateu um recorde mundial voando a 14000 pés, mais alto o que qualquer outra aviadora já tinha voado até então.
Mas bem quando a carreira estava começando a decolar, Amelia teve que fazer um pouso forçado.
Lá pra 1924, ela ficou mal de sinusite e de dinheiro, tudo junto, chegando ao ponto de ter que vender o Canário e dar um tempo longe das hélices. Ela conseguiu um emprego como professora e mais tarde como assistente social, mas apesar dos pesares, nunca abandonou totalmente sua paixão e passou a escrever sobre aviação para jornais da época, além de investir no projeto de uma associação para pilotos femininas. Ela foi levando seu sonho assim, do jeito que dava, nos bastidores, até que em 1928, Amelia recebeu uma ligação dessas que viram a vida de cabeça pra baixo.
– Alô! Senhorita Earhart, quer ser a primeira mulher a atravessar o Oceano Atlântico de avião?
Quem fez a proposta foi Hilton H. Railey, um dos coordenadores de um projeto patrocinado por Amy Phipps Guest, uma socialite que adoraria realizar o feito ela mesma, mas preferiu que encontrassem uma moça corajosa de verdade pra ir em seu lugar. Pra você ter uma ideia do quanto a empreitada era arriscada, só o piloto Charles Lindberg já tinha feito esse voo e nenhuma alma viva antes dele. Nessa época, avião era novidade, todo mundo cruzava o mar de navio. Mas quem disse que Amélia era mulher de pedir arrego? Não pensou nem meia vez, topou a proposta na hora.
O que ela não sabia é que ela iria sim ser a primeira mulher a cruzar o Atlântico num avião, mas como passageira.
Ela passou 20 horas sobrevoando um mundo de água entre os Estados Unidos e o Reino Unido só fazendo companhia para o piloto e o copiloto. Quando foram entrevistá-la depois do pouso, ela disse que sua participação no voo foi somente como bagagem, como um saco de batatas. Mas a imprensa e público não tavam nem aí pra decepção da moça e ela ficou instantaneamente famosa.
Amélia não estava satisfeita, mas também não era boba. Assessorada por um dos coordenadores do projeto de travessia do Atlântico, o publicitário George P. Putnam, ela aproveitou a fama repentina pra se promover ao máximo. Escreveu um livro, viajou América a fora dando palestras, foi garota propaganda do Lucky Strike, virou editora da revista Cosmopolitan, lançou uma linha de roupas pra mulheres ativas e outra de bagagem, que aliás é vendida até hoje (quero!). E o que ela fez com esse dinheiro todo? Usou pra financiar mais viagens.
Ah! No meio dessa convivência intensa com Amelia, Geoge P. Putnam ficou apaixonadinho e a pediu em casamento. Cinco vezes. Na sexta vez, ela aceitou e no dia da festa ela entregou ao noivo uma carta que dizia assim:
“Quero que você entenda que não o prenderei a nenhum código medieval de fidelidade a mim e que tão pouco me considerarei presa a si desse modo.” Ui!
E em 1931, os dois se casaram e já no ano seguinte ela foi que foi voar por cima do Atlântico de novo, mas dessa vez no comando. E sozinha. Amelia partiu do Canadá e só foi parar na Irlanda do Norte. Aí sim ela se tornou a primeira mulher e a segunda pessoa a realizar a travessia voando solo.
E agora? Quem é que segura essa Amelia? Ninguém, rapaz. Daí pra frente, ela disparou na conquista de feitos históricos. Aqui tem alguns:
- Agosto de 1932 – Primeira mulher a voar solo, sem parar de costa a costa dos EUA (só com uma bússola e um mapa rodoviário)
- Janeiro de 1935 – Primeira pessoa a voar solo cruzando o Pacífico entre o Havaí e a Califórnia
- Abril de 1935 – Primeira pessoa a voar solo de LA à Cidade do México
- Junho de 1937 – Primeira pessoa a voar do Mar Vermelho até a Índia
A esse ponto, ela já se sentia mais do que pronta pra viver a maior aventura da vida: dar a volta ao mundo.
Em maio de 1937, antes de completar 40 anos, ela e seu navegador Fred Noonan embarcaram num bimotor Lockheed L-10 Electra, partindo da Califórnia pra circunavegar o globo, se mantendo o mais perto possível da Linha do Equador. Eles passaram por 18 países, incluindo o Brasil (mais precisamente Natal e Fortaleza), Sudão, Senegal, Paquistão, Índia, Tailândia, Indonésia e Austrália. Depois de uma parada de dois dias em Papua Nova Guiné, Earhart e Noonan decolaram rumo à Ilha Howland, pra cruzar o Pacífico até o Havaí e finalmente de volta à Califórnia. Eram só 3 dias de viagem pra chegarem ao destino final. Mas aí é que tá:
depois de saírem de Papua, eles simplesmente desapareceram.
Um navio da guarda costeira americana estava posicionado perto da Ilha Howland para servir como contato e ajudar a dupla a se guiar. Depois de reportar tempo nublado e falta de visibilidade, Amélia parou de ouvir o sinal de rádio do navio. Não demorou muito até que eles parassem de ouvi-la também. O governo americano gastou mais de 4 milhões (uma quantia exorbitante pra época) tentando encontrar Amélia Earhart, com buscas em uma área de 250 mil milhas quadradas. Mas até hoje,o desaparecimento da maior aviadora da história continua um grande mistério.
Nunca ninguém achou qualquer vestígio que pudesse ser comprovadamente uma pista pra decifrar o que aconteceu com ela.
Como era de se esperar, surgiram teorias de todos os tipos a respeito do sumiço. Uma delas afirma que Amelia era espiã do Presidente Roosevelt em missão secreta rumo ao Japão, onde foi capturada e decapitada. Há quem diga ela voltou quietinha pros Estados Unidos, mudou de nome e de aparência pra aproveitar a vida como uma ilustre desconhecida. E numa versão bem mais divertida da história, ela deu um perdido em todo mundo pra viver com um pescador em uma ilha deserta.
Mas muito mais importante do que entender como ela desapareceu é aprender com o jeito que ela escolheu viver. A história de vida dela é um legado que vai além do empoderamento feminino. É sobre determinação, autoconfiança e autenticidade. Isso não vale pra só pras mulheres. Vale pra todo mundo.
“Decide whether or not the goal is worth the risks involved. If it is, stop worrying.” Amelia Earhart
: )
Postado por Gabriela Alvarenga
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