Como um teste de DNA mudou completamente os meus planos de viagem.

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Eu fiz um exame de DNA.

Não, eu não estou envolvida em qualquer tipo de teste de paternidade ou briga de família. Aqui em casa está tudo em paz. Tenho a sorte de saber quem são meus pais, avós e bisavós, mas fiz o teste porque eu sei pouco, muito pouco sobre quem veio antes deles.

Como boa parte dos brasileiros, tenho origens lusitanas. Meus dois sobrenomes – Guimarães e Alvarenga – são nomes de uma cidade e uma freguesia em Portugal. Eu sempre soube que somos descendentes de portugueses – espanhóis também – e que estamos no Brasil há séculos. Fora isso, já ouvi falar por alto de uma trisa ou tataravó indígena. Também ouvi falar de italianos, mas de um jeito tão vago que nem me pareceu muito verdadeiro.

Quando eu era criança, no primeiro ou segundo ano da escola, minha professora passou uma árvore genealógica pra cada um da turma preencher como lição de casa. E foi aí que o nó na cabeça começou: se meus pais tinham seus pais e o pais deles tinham pais e os pais dos pais deles tinham pais, onde é que isso vai parar? Com certeza muito além do que caberia na folha do meu caderno, muito além do que alguém que ainda estivesse vivo poderia me explicar.

A vontade de saber mais sobre as minhas origens me acompanha desde aquela época. Talvez eu estivesse buscando uma forma de justificar minha gana de viajar e meu fascínio por tudo o que tem a ver com outras culturas e terras distantes. Mas talvez fosse só uma curiosidade mesmo. Fui deixando essa história de lado, até que um dia eu dei de cara com este vídeo aqui:

Um mundo aberto começa com uma mente aberta. A forma como essa mensagem foi passada mexeu comigo e com mais de 17 milhões de pessoas que fizeram o vídeo se tornar um viral. Por causa dele, eu descobri que DNA Journey – A Jornada do DNA – é apenas o abre-alas de uma iniciativa muito maior da Momondo, um buscador/comparador de passagens aéreas e hotéis criado na Dinamarca por amigos que acreditam na mesma coisa que eu: viajar nos torna pessoas melhores. Pronto. Me fisgaram.

Eu queria fazer parte disso de alguma forma, queria muito contribuir com algo além das minhas curtidas e compartilhamentos. Só não sabia como.

Então, pra minha sorte, o site e-Dublin promoveu junto com a Momondo um concurso cultural que tinha como prêmio um teste do DNA Journey.  Eu tinha que participar. Eu tinha que ganhar esse teste. E ganhei. Escrevi sobre um dos 5 valores da Momondo para tornar o mundo um lugar mais aberto e fiquei entre os 3 ganhadores. Em pouco tempo chegou na minha caixa de correio um frasquinho pra que eu enchesse com a minha saliva e enviasse direto pro laboratório, na Irlanda. Foram mais 2 meses de ansiedade até que os resultados chegaram. Com eles chegaram também algumas confirmações, umas boas surpresas e muito mais perguntas do que eu tinha antes dessa história toda começar. Mas o mais importante: meu exame de DNA foi o atestado científico de uma certeza que já existia em mim:

racismo e xenofobia são coisas absolutamente sem sentido.

Quer ver um exemplo? Esta sou eu:

Estes são os meus resultados:

etnias dna

Tudo o que eu sabia sobre a minha origem era apenas 40% da verdade.

Portugal e Espanha estão aí, bem como eu esperava. Mas mais da metade de mim é uma mistura de 14 etnias diferentes. QUATORZE!

A tataravó indígena apareceu lá nos meus 6% de nativos americanos. Itália e Grécia também marcaram presença como minha segunda região étnica mais forte, olha só. E sim. Tem 9% de África no sangue desta branquela-FPS 70. Pra falar a verdade, isso nem foi surpresa. Por algum motivo que eu não consigo explicar, eu já esperava e torcia por isso. Talvez por sermos um país tão miscigenado, apesar de preconceituoso. Não sei. Fiquei bem mais intrigada com os 14% da Grã-Bretanha e com a revelação da Polinésia. Mesmo que seja menos de 1%, eu não fazia ideia.

mapa genético

Comecei a pesquisar sobre como funcionam os testes desse tipo e descobri que os laboratórios que os oferecem coletam amostras de DNA de populações muito antigas, típicas de diferentes regiões do mundo e vão identificando quais traços genéticos as pessoas da mesma região têm em comum. Quando você envia a sua amostra, eles fazem uma varredura procurando no seu código genético os marcadores típicos desses grupos. O resultado é uma estimativa em porcentagens da sua herança genética.

No meu caso, além do mapa e dos gráficos, eu também tenho acesso a um resumo sobre as regiões que aparecem nos resultados, além de outras informações sobre rotas de migração, que ajudam a explicar porque alguns povos muito típicos podem apresentar traços de outros povos distantes.  É que ninguém nesse mundo para quieto por muito tempo.

Como disse minha > 1% prima Moana:

 

Agora pense você:

será que você sabe mesmo quem você é?

De onde veio sua família e por onde ela passou? Ainda que você tenha um belo brasão com seu sobrenome pendurado na parede da sua casa, como é que você tem certeza que nenhum antepassado distante foi deixado de fora dos registros pra manter uma imagem de linhagem pura? E não é só por preconceito racial que os elos se quebram. É por machismo também. Pense nas suas bisas, trisas, tataratataravós que nem se quer carregavam os sobrenomes de suas mães e perdiam os sobrenomes de pais quando se casavam. Pense no que você sabe sobre elas. Pense em quanta história se perdeu, quanta informação ficou pra trás no caminho que essa galera toda percorreu até aqui.

Pense em quantas pessoas diferentes tiveram que se encontrar pra que você pudesse existir.

Eu não gostaria de acreditar que você queira, mas me diz aí se você é capaz de me apresentar pelo menos um argumento que sustente ideia de superioridade racial. Dá pra defender, racionalmente, o conceito de raça pura? Até onde eu consigo ver, não existe um povo que não tenha sido tocado por outro e, de alguma forma, se fundido a ele. Não existe essa de “eles versus a gente”. Somos farinha do mesmo saco no melhor sentido que essa expressão pode ter. Somos um povo só.

Estamos passando pela maior crise de refugiados da história, desde a Segunda Guerra Mundial. Estamos mergulhados numa onda assustadora de extremismo e intolerância. Todos os dias, surgem casos de crimes de racismo tão absurdos que parecem ter sido teletransportados diretamente do século retrasado.

Quem anima fazer uma vaquinha e mandar um teste de DNA pra Casa Branca?

É quando essas coisas acontecem que a gente percebe que ainda há muito o que caminhar. Muitas vezes a gente não se reconhece em outras feições, em outros tons de pele. A gente não se enxerga em outros costumes e crenças, e só se distancia daquilo que é diferente do familiar, dos valores com os quais a gente consente, do Deus pro qual a gente diz amém. É desse distanciamento e da falta de informação que surgem pensamentos violentos e perigosos. É uma dificuldade imensa de enxergar o mundo pelos olhos do outro e se colocar no lugar dele.

E é nesse ponto que viajar é um enorme privilégio. Porque aproxima a gente do que antes parecia distante. Porque faz a gente se encantar e até se assustar com o que os outros povos têm de diferente, mas esfrega na nossa cara tudo o que a gente tem em comum.

Antes eu sabia que queria conhecer o mundo, mas de um jeito meio aleatório. Hoje eu sei exatamente pra onde eu quero ir, em ordem de prioridade, e sei exatamente o que estou buscando: uma forma de me identificar, me descobrir em todos esses lugares e pertencer a eles. E, mais do que isso, quero contar a história das minhas origens e espalhar essa mensagem para o maior número de pessoas possível, pra plantar na cabeça delas a semente da dúvida sobre sua própria história e torcer pra que em alguma dessas mentes a empatia floresça.

Porque é muito mais fácil se colocar no lugar do outro quando você entende que o outro tem lugar em você. Mesmo que seja menos de 1%.

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