O que passa na cabeça de alguém que larga tudo pra dar a volta ao mundo? O Casal Wanderlust responde.

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Aposto que, em algum momento da vida, você já pensou em deixar tudo pra trás e sair viajando sem data pra voltar. A Camila e o Lázaro pensaram. E foram.

Eles começaram sua viagem em julho de 2017 e já atravessaram o Continente Africano de cabo a rabo, explorando as lindezas da África do Sul, Suazilândia, Lesoto, Namíbia, Botswana, Zâmbia, Tanzânia, Quênia e Marrocos. A jornada do Casal Wanderlust, que é como os dois batizaram o projeto, já trouxe experiências incríveis, alguns contratempos e boas reflexões de vida. Mas ainda está bem longe de acabar.

Nesta entrevista, eles compartilham com a gente um pouco do que têm aprendido, contam de onde veio o desejo de passar um período sabático e dão dicas pra quem quer fazer o mesmo. Dá uma olhada:

Vocês dois já eram apaixonados por viagens antes de se apaixonarem um pelo outro? Se sim, vocês acham que essa vontade de ver um mundo ajudou no encantamento do casal?

Nós dois já gostávamos de explorar o mundo, mesmo antes de nos conhecermos.

Quando nos conhecemos em Moçambique o Lázaro já tinha morado na Espanha e na Irlanda e eu já tinha viajado para mais de 10 países. Sempre gostei de viajar. E viajava sozinha, na maioria das vezes.

O amor por viajar, conhecer melhor o mundo e a nós mesmos nos tornou e nos torna mais próximos, com certeza. Acho que não existiria casamento se um dos dois não compartilhasse essa mesma paixão. Acho muito difícil o relacionamento entre duas pessoas onde um adora viajar e o outro não. É diferente de quando um gosta de rock e o outro gosta de samba.

De quem foi a ideia de dar a volta ao mudo e como ela surgiu?

A ideia foi minha (Camila). Depois de trabalhar por mais de 15 anos na área de compras de grandes empresas cheguei a um limite ético, digamos assim. Sem entrar em detalhes e muito menos citar nomes, eu posso dizer que me decepcionei muito. Na última empresa onde trabalhei eu presenciei acontecimentos que feriram meus valores mais sólidos, que entraram em conflito com minha essência. Foi então que, com o apoio do Lázaro, eu me demiti.

Foi na volta da nossa lua-de-mel que tudo aconteceu, quando conversamos abertamente sobre a ideia de ter um período sabático. Da decisão até a saída para a viagem nós esperamos por quase 3 anos. Período este onde nós aproveitamos para nos programar, para guardar dinheiro, traçar roteiros, etc.

entrevista com casal que largou tudo para dar a volta ao mundo

No período de preparação, vocês tiveram que abrir mão de algum conforto do dia a dia pra economizar? Se sim, do que mais sentiram falta? Desapegar de “luxos” fez vocês refletirem de alguma forma?

Opa! Abrimos mão de muita coisa. E o exemplo com o qual nós mais gostamos de brincar é com a cerveja. Nós adoramos cervejas artesanais e a Heineken. Porém, desde que surgiu a ideia de fazer uma viagem de volta ao mundo nós bebemos qualquer coisa. Sabe aquelas cervejas mais baratas do supermercado? Pois é! rs.

Quando nos casamos nós compramos apenas os móveis necessários para nossa casa, tínhamos apenas 6 pratos e 6 jogos de talheres, por exemplo. Quando recebíamos 8 ou mais amigos nós pedíamos para o pessoal levar pratos e o que mais faltasse. E o mais legal é que todos os nossos amigos entraram na onda.

Não sentimos falta de nada, muito pelo contrário. Passamos a viver desta forma e a ler diversos materiais falando sobre o minimalismo. Adoramos este estilo de vida. E com certeza quando nós voltarmos a ter uma casa, é desta forma que vamos continuar vivendo.

Ainda falando em desapego, como foi fechar a porta da casa vazia depois de vender todos os móveis e perceber que nada daquilo estaria ali quando vocês voltassem?

Lázaro nem ligou. Mas no início, quando começamos a anunciar a venda dos móveis, confesso que me deu um “negócio”, uma sensação ruim, um vazio. Que nada mais é do que o apego material que a gente tem. Tipo, “meu” sofá, “minha” cama, etc. Porém, nós vendemos a maioria de nossos móveis para nossos amigos. E tudo fluiu de uma maneira tão natural que quando nossa casa tinha apenas uma cama e outros poucos objetos, nós ficamos ainda mais ansiosos para sair logo pelo mundo. Porque já não existia a “nossa casa”, entende?

O que eu achei que seria um momento difícil foi, na verdade, o impulso final para que viajássemos ainda mais certos de que era isso mesmo que nós queríamos para nossas vidas.

Há quando tempo vocês estão viajando? Quanto tempo de viagem ainda tem pela frente?

Nós estamos viajando há 6 meses pelo continente africano. Neste momento não sabemos dizer quanto tempo ainda temos pela frente. No começo eu (Camila) queria muito ter um prazo, um roteiro certo, uma data exata, mas aprendi que deixar tudo de forma mais aberta nos traz menos ansiedade. Hoje nós sabemos apenas que gostaríamos de conhecer alguns países do Sudeste Asiático, da Ásia Central e do Leste Europeu. Mas não temos uma data definida para nada.

Já bateu aquela saudade doída do Brasil? Se sim, do que vocês sentem mais falta? O que vocês fazem pra tentar se sentir em casa?

Ainda não. Mas acontece que em dezembro nós voltamos para o Brasil, para o casamento do irmão da Camila. Aí deu para matar um pouquinho da saudade dos amigos, da família, do pão de queijo e da comida baiana também.

Desde o início da viagem vocês determinaram que não seguiriam um roteiro certinho. Quais foram as maiores surpresas que apareceram pelo caminho?
Nossa maior surpresa na verdade foi essa volta para o Brasil.

Quando o irmão da Camila marcou o casamento nós já estávamos com as passagens compradas e com o roteiro traçado. Não sabíamos se conseguiríamos voltar para o casamento por conta do alto valor das passagens aéreas. Especialmente porque tínhamos como ponto de partida a costa leste do continente africano.

Foi então que conhecemos um brasileiro chamado Diego. Ele nos ajudou a encontrar uma passagem aérea saindo de Nairóbi, no Quênia, com a Royal Air Maroc. Assim nós conseguimos ir ao casamento e acabamos conhecendo o Marrocos também.

Vocês deixaram de fora do roteiro vários destinos populares entre os turistas convencionais, como América do Norte e Europa Ocidental. Por quê?

Por diversas razões. A primeira foi com base no raciocínio que aos 65 anos é tranquilo de se viajar para a Disney, por exemplo. Mas escalar um vulcão em plena atividade na Etiópia já é algo que fica mais complicado…rs.

Outro ponto é que estamos em busca de crescimento espiritual, queremos ter contato com o “outro lado do mundo”, aquele lado que os meios de comunicação ainda dão pouca importância. Como os países da Ásia Central, por exemplo.

Teve algum motivo especial pra viagem de vocês começar pela África?

Teve. Nós nos conhecemos em Moçambique, quando moramos lá a trabalho.

E além de termos uma ligação especial com o continente africano, nós encontramos uma passagem aérea promocional para Joanesburgo. Aí não teve jeito. Era o universo nos chamando para voltarmos ao ponto onde tudo começou.

Vivemos em um país que ainda tem um looongo caminho pela frente em termos de desenvolvimento, mas ainda assim, somos muito privilegiados em relação à grande parte dos países africanos. Vocês já tiveram contato com regiões de pobreza extrema? Se sim, como isso impactou vocês?

Sim, você tem razão. Mesmo com todos os nossos problemas, nós no Brasil ainda estamos alguns passos à frente de muitos países em desenvolvimento. E sim, tivemos contato com essa pobreza extrema por quase todos os países por onde passamos até agora.

O primeiro impacto é aquela revolta absurda que nos faz pensar: “como pode esse mundo ser tão injusto!?”. Já ficamos tristes, revoltados e já refletimos bastante também.

Acho que a experiência mais transformadora que tivemos até agora foi uma visita a uma Tribo Masai, na Tanzânia. Conhecemos um Masai em Zanzibar, o Simon. Ficamos amigos e ele nos convidou para conhecer a sua família. O pai possui 3 esposas, tem uns 15 filhos e todos vivem em casas próximas umas das outras. As casas não tem móveis, a vila não tem água encanada e nem energia elétrica. As crianças não tem smartphone e nem brinquedos. E quando estivemos por lá nem fotografias da família eles tinham.

Desde a época em que moramos em Moçambique eu (Camila) gosto muito de perguntar às pessoas sobre o que é felicidade. E nesta experiência não foi diferente. Perguntei ao Simon e a família dele sobre o que era felicidade, o que os fazia felizes.

TODOS disseram que felicidade é estar com a família e ter comida suficiente.

É claro que a pureza de sentimentos também se deve ao fato deles não terem muito contato com as influências (digitais ou não) que nós temos. Mas o que é felicidade senão a soma dos momentos prazerosos que passamos ao lado das pessoas que nós amamos? Não é verdade?

E você? O que é felicidade para você?

E o contrário? Passaram por lugares muito ricos que destoam do estereótipo de África que muita gente tem?

Países muito ricos eu acho que não. Mas bem estruturados, com certeza!

Cape Town na África do Sul tem um sistema de ônibus super bom. No Quênia as sacolinhas plásticas são proibidas em todos os comércios, por exemplo.

Nós não chegamos a visitar Uganda porque cortamos essa parte da viagem para podermos encaixar o casamento. Mas o sistema educacional do país é comparado ao sistema de educação de países super desenvolvidos. Já ouvimos pessoas dizendo que Uganda é a Suíça da África.

As pessoas têm uma visão muito distorcida do continente africano.

A África tem muitos problemas sim! Mas tem tantos lugares lindos, tantas praias paradisíacas… é nosso continente favorito no mundo.

Vocês pagaram algum mico cultural? Algum comportamento típico e natural do Brasil que seja estranho ou mal visto por onde vocês andaram?

Opa! Teve também…rs.

Nós somos românticos, estamos sempre juntos, de mãos dadas, sempre falamos pertinho, dando selinhos, enfim.

Estávamos em um trem que ia de Mombaça à Nairóbi, no Quênia. Nós estávamos sentados de frente para duas mulheres. Lázaro me deu um beijo selinho e estávamos falando um com o outro com as cabeças muito próximas e de mãos dadas. Foi então que de repente uma das mulheres escreveu um bilhete e me entregou. No bilhete ela pedia para pararmos de “demonstrar carinho” em público, porque ela estava se sentindo constrangida.

Não era um amasso, uns beijos “calientes”, era um beijo selinho e estávamos de mãos dadas, apenas. Mas isso feria o costume do islã, a cultura dela, a maneira como ela aprendeu a ser.

 

É difícil para nós aceitarmos, mas estar em outro país é como visitar a casa de um estranho. E quem dita as regras é sempre o anfitrião.

 

Vocês descobriram algum preconceito que não imaginavam ter?

Difícil responder. Acho que todos nós temos um ou outro preconceito enraizado, dependendo do modo como fomos criados, das circunstâncias da vida, índole e etc. E o segredo é justamente descobrir quais são e lutarmos contra esses preconceitos.

Acho que tenho preconceito com gente muito lenta, sabe? Como sempre fui muito acelerada, e sempre esperei que as pessoas também agissem assim. E desde antes da viagem tenho trabalhado para aceitar que cada um tem um jeito de ser.

O Lázaro é mais tranquilo. Costumo dizer que ele é um ser humano mais evoluído do que eu…rs.

E o contrário? Rolou por parte dos locais algum comentário meio estereotipado sobre o Brasil e os brasileiros? Como tem sido a receptividade por aí?

Não. Muito pelo contrário. Os africanos adoram o Brasil e o nosso futebol – mesmo depois daquele 7×1…hahaha.

A receptividade tem sido muito melhor do que nós esperávamos! Temos encontrado tanta gentileza e tanto amor pelo mundo que fizemos até um post específico sobre o tema.

Tem muito amor e gentileza espalhados por esse mundão.

Fomos bem recebidos por todos os lugares por onde passamos e somos muito gratos por tudo o que o universo tem nos proporcionado.

O post é esse: https://casalwanderlust.com.br/2017/11/ainda-existe-muito-amor-nesse-mundo/

Quais foram os pontos altos da viagem até agora? Aquela atração/lugar/passeio que dá vontade de levar todo mundo que a gente gosta pra conhecer?

Essa é uma pergunta tão difícil de ser respondida…

Mas para o Lázaro um lugar inesquecível e incrível foi Zanzibar, na Tanzânia. E eu diria que foi o Marrocos.

O projeto Casal Wanderlust inclui o blog e o Instagram, e tenho certeza que conteúdo bom é o que não falta. Mas não vejo vocês postando enlouquecidamente todos os dias. Por quê?

Porque há de se ter equilíbrio nestas questões. O que nós sempre nos perguntamos é: “será que hoje em dia as pessoas estão vivendo verdadeiramente os seus momentos?”. A gente vê tanta gente doida por aí, gravando o tempo todo, tirando foto o tempo todo. Mas será que estão conseguindo viver o tempo todo?

Nós criamos o blog com o intuito de registrarmos nossa viagem, para que possamos ajudar aqueles que quiserem fazer o mesmo e também para que tenhamos o blog como lembrança dessa experiência daqui a alguns anos. Quero muito, aos 60 anos, ler minhas memórias, para reviver esses dias e para saber como nós éramos, como nós pensávamos.

No início nós chegamos a brigar por conta disso. Eu queria escrever muito e Lázaro queria viver muito…rs. Foi então que chegamos a um acordo. Hoje ele me ajuda nos textos, fazemos vídeos e tiramos fotos quando temos vontade e escrevemos quando dá.

As redes sociais mexem muito com o Ego das pessoas, especialmente o Instagram – rede que nós estamos deixando meio de lado.

As pessoa compram curtidas, comentários, ficam presas ali, por horas a fio, curtindo, comentando, seguindo e deixando de seguir outros perfis. É tudo muito insano…rs.

Esses dias presenciei uma conversa de uma menina que estava sofrendo (preocupada) porque não sabia como iria conciliar a viagem de comemoração de aniversário de casamento com a necessidade de postar tudo no Instagram. Jesus! A que ponto chegamos!?

No blog, vocês contam que “nossos medos e nossas inseguranças não são e não podem ser maiores que os nossos sonhos.” Teve algum momento em que a insegurança falou mais alto e vocês pensaram em abandonar o projeto? De onde veio a força e a inspiração pra transformar esse sonho em realidade?

Teve um momento em que nós tivemos um medo real. Quando estávamos prontos para ir para Nairóbi, no Quênia.

Ouvimos e lemos diversos relatos de que Nairóbi era a cidade mais perigosa da África e etc. Foi então que conversamos com a Gil, idealizadora do projeto GirlsGo Viagens & Autodescoberta. Ela esteve sozinha em Nairóbi e nos deu uma injeção de ânimo. Aliás, é assim que tem acontecido. Temos muitos viajantes que nos inspiram a seguir adiante. Podemos falar, entre eles, do Guilherme Canever (do Sai por Ai), do Danniel (do Próxima Parada), da Michele e do Renan (do Mundo sem Fim), etc.

Acho que esse foi o único medo real que nós sentimos. Mas o que também aparece de vez em quando é o medo da volta, de como serão as coisas, do que nós faremos, onde vamos trabalhar, morar e etc. Mas a força vem da certeza de que essa vida é muito curta e que a felicidade não está em coisas materiais e sim nas experiências que vivemos.

O medo faz parte da vida. É ele que nos mantém vivos. Mas ele não pode ser impeditivo para realizarmos nossos sonhos. Adoro uma frase que diz: “Se der medo, levante a cabeça e vá com medo mesmo”.

E agora que o sonho da volta ao mudo virou o dia a dia de vocês, já enfrentaram alguma situação mais difícil ou desagradável do que vocês imaginavam?

Não. Uma coisa chata é quando as pessoas vem até nós e falam: “nossa, mas e quando vocês voltarem? Com esse país em crise. Vocês sabem que vai ser bem difícil, né?”. É um saco…rs. Mas nós aprendemos que as pessoas não fazem por mal. Elas simplesmente projetam em nós os medos delas. E isso é normal. É só aprender a lidar.

Com mais de seis meses de estrada, aposto que vocês já tiveram aprendizados e lições que vão levar pra vida toda. Já dá pra perceber alguma mudança no jeito de pensar?

Já. Mas é um processo de mudança que já tinha surgido mesmo antes da viagem começar. De aprender a viver com menos e valorizar cada vez menos as coisas materiais.

Como o Lázaro sempre diz: a materialidade é importante, afinal ninguém vive de vento. Mas ela não será o carro chefe que direcionará nossas vidas daqui para frente.

Como vocês esperaram se sentir quando a volta ao mundo do Casal Wanderlust estiver concluída?

Nós estamos buscando uma evolução espiritual. Queremos muito nos tornar seres humanos melhores. E acho que se conseguirmos 0,01% disso nós já nos sentiremos felizes.

Agora, deixem pros leitores uma listinha de atitudes/pensamentos que vocês tiveram que mudar pra fazer essa viagem acontecer e, se quiserem, outras dicas e conselhos que vocês achem legais e importantes.

Que difícil….rs. Mas vamos falar de coisas que fizeram e fazem sentido para nós:

  • As pessoas não agem por mal, elas muitas vezes estão apenas projetando nos outros os seus próprios medos e inseguranças;
  • Se você não está feliz onde você está, mude. Aos poucos, devagar, bruscamente, não importa, mude;
  • Se algo está mexendo com seus valores mais profundos, não aceite;
  • O medo nos mantém vivos, e por isso ele é muito importante. Mas ele não pode ser fator impeditivo na hora de você lutar por aquilo que acredita, por aquilo que deseja viver;Afinal, o universo sempre responde aos desejos do nosso coração. E as coisas, de uma maneira ou de outra, sempre dão certo no final;
  • E por fim, para quem também deseja fazer uma viagem de volta ao mundo:
    Deixe sempre uma reserva financeira para a volta, para ter tranquilidade na hora de recomeçar, seja lá onde for.
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